Sunday 6 February 2011

Cursos de Engenharia em Portugal

Penso que já devia ter escrito isto há muito apesar de já o ter dito muitas vezes...

Isto começa a ser difícil de escolher pessoal vindo de Portugal! Sim!... O que acontece é que os nossos currículos são demasiados específicos, teóricos, e difíceis de vender. Continuamos a formar pessoas para fazerem doutoramentos e não para irem para a indústria (ou criarem indústria). Não me percebam mal, não sou de todo contra a carreira académica, mas o país não pode viver só disso.

Estou a escolher um estagiário para este ano. Somos 3 no departamento à procura de estagiários. Para começar, envio os estágios para o Técnico e recebi 3 (TRÊS) candidaturas: 2 de aeroespacial e 1 de electrotécnica de computadores... Isso já começou mal, e muito! Também não me posso esquecer que há uns anos fui fazer uma apresentação ao Técnico sobre os projectos em que trabalhei e sobre a Astrium. Recordo-me que tive 7 (SETE) gatos pingados no anfiteatro de Civil (o maior do IST na altura)... Fantástico, espero que não lhes dêem subsídios de desemprego quando acabarem o curso.

Recebemos currículos Franceses (uns 20), Ingleses (uns 10) e Portugueses (os tais 3). À volta da mesa para fazer uma primeira selecção (não, isto não é uma anedota): um Inglês, um Francês e um Português (eu). O Inglês começa por fazer a observação que está muitíssimo bem impressionado pelos CVs franceses... Eu conheço o sistema Francês, também passei por ele parcialmente, e percebo o porquê desta "introdução".
Basicamente seleccionados currículos Franceses. Há lá um Português porque eu conheço o curso, mas se não fosse por isso ninguém passava à segunda fase. Isto é grave, muito grave.

Não só o curso e a nossa cultura têm limitações importantes, como não nos sabemos vender. Assim não vamos lá.Análise:
- O curso é demasiado teórico na parte final. Eu sou mais que favorável a 2 anos iniciais bastante exigentes em matemática e física (sim, semelhante ao sistema Francês). Mas, depois temos de por os alunos a fazerem projectos, e projectos orientados pelo menos parcialmente pela indústria.
- Os anos a seguir ao segundo têm de ser um misto de aulas ligadas às opções dos alunos e aulas e projectos dadas por pessoas da indústria. Portugal não tem indústria? Treta! Temos que chegue para que uma pessoa dessa empresa vá ao IST propor projectos ligados ao trabalho que têm. O pessoal tem que perceber que isto é benéfico para os alunos e para a indústria.
- Temos de ter uma cultura de estágios! Chega de termos uma grande época de exames, umas grandes férias de Verão, e aulas sentados numa cadeirinha. Temos de ter estágios desde o secundário, ou pelo menos desde o tal 2º ano. E isto tem que ser obrigatório. O IST tem que fazer muitas parcerias com empresas para os alunos poderem escolher. O IST tem que ter esses contactos e depois obrigar os alunos a procurarem pela rede que o IST ajudou a criar. Os ex-alunos têm de fazer estas pontes!
- Os alunos têm de perceber que não andam atrás do canudo. Canudos há muitos! Eles andam de facto a aprender e a perceber o que querem fazer na vida. Eles têm que se saber vender, e venderem-se pela competência-não apenas porque têm uma boa média! Mais uma vez, isso é importante para carreira académica, não para a indústria. Cá fora, o pessoal nem olha para isso. Aliás, ficaram muito espantados quando viram as notas e perguntaram-me o que se tinha passado para os alunos enviarem isso... Estão a perceber o choque cultural?!
- Os alunos têm de procurar (e custa!) estágios e experimentar várias áreas, ou pelo menos aquela em que pensam trabalhar. Isso é que conta! Quando estamos a avaliar CV's olhamos para a experiência profissional muito mais que o currículo do curso. Provavelmente ficam a pensar: como é que se pode ter experiência profissional se ainda se é estudante?! Acordem! Com estágios que vocês têm que conseguir encontrar. É nisso que os CV's franceses passam à frente de qualquer outro dos que vejo. Sabem quanto pessoal vejo a trabalhar num projecto da ESA para construir um Star Tracker por estudantes?... Muitos, mesmo muitos! Não há razão para nós não fazermos o mesmo. - Façam um CV em que mostram as disciplinas chave que tiveram! Não digam Eng. A, opção 1! Isso é "nada"! Expliquem com palavras chave o que é. Valorizem os estágios, mesmo que sejam de 1 ou 2 meses! Tudo isso é muito importante.

Resumindo: os regentes dos cursos e das universidades têm que mudar o paradigma. Precisam de usar a rede de ex-alunos para criar uma rede de estágios e obrigar os alunos a pelo menos um estágio numa empresa por ano - tem de ser parte do currículo! A partir do segundo ano têm que começar a ter pessoas da indústria a dar aulas e a propor projectos escolares. Isto faz com que os alunos percebam os problemas reais enquadrados por pessoas que sabem o que é de facto importante. Os alunos têm de se valorizar no CV: disciplinas chave e estágios.

Isto é uma mudança cultural, mas é indispensável. Eu considero isto uma das razões para Portugal não sair de onde está. A receita que aplicamos é a mesma há décadas! Por favor mudem, estamos a ficar para trás, e o tempo não pára!...

10 comments:

  1. E depois há os espertalhões... Aqueles que têm o canudo à custa dos outros e sempre foram "managers"... Pudera, ninguém confia neles para lhes dar trabalho a sério. Espertalhões que acham que se vão safar assim na vida real: nunca comigo nem pessoal que com trabalho. Trabalhem preguiçosos!

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  2. Estou neste momento na Holanda, Delft (sou do IST - Aero) e vejo a real diferença..Aqui valorizam o trabalho e é nisso que eles nos ultrapassam... Nós podemos saber resolver uma equação de cabeça e depois?? Serve para alguma coisa no futuro? Isso é como andar de bicicleta com rodas quadradas.. Realmente ainda falta mudar bastante a mentalidade. Sinto-me humilhado por apresentar um curriculo sem qualquer estágio profissional quando neste momento estou a fazer a tese e daqui a uns meses entro para o mercado de trabalho..

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  3. Muita verdade nas palavras, mas.. Não é só a mentalidade dos regentes IST que tem de mudar.

    Mesmo o IST não forçando os estágios o aluno pode escolher por si mesmo enriquecer o seu currículo com estágios. Através do IST há pelo menos os estágio da IAESTE e fora disso há milhares de outros estágios e programas. Os alunos tem de estar conscientes que para se prepararem para o mundo de trabalho não basta só terem a média... Precisam de ter experiência profissional, saber falar línguas, ter competências pessoais, competências de gestão e liderança, etc...

    Por exemplo, na ESA buscam alguém que tenha "Flexibilidade, Motivação e Equilíbrio" a "Universidade de onde vêm não interessa porque é tudo quase o mesmo na Europa Ocidental". Depois de um dois anos de experiência (ou de estágios relevantes) a média é relativizada e deixa de ser importante. Pensar no currículo só na óptica da média é como construir um avião tomando em conta apenas em consideração a parte de aerodinâmica e esquecendo que há as estruturas, controlo, manutenção, etc..

    Aos que ainda vão a tempo de fazer 2 ou 3 estágios antes de terminarem o curso.. Força..!

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  5. Concordo plenamente com o que disseste. Sempre foi essa a noção que eu tive e portanto desde que entrei em Aeroespacial que tenho tentado enriquecer o meu currículo com actividades extra curriculares e estágios. A partir do momento em que se têm vontade os estágios não são difíceis de arranjar, mesmo em Portugal.
    Quanto a esse Star Tracker, se for o mesmo que estou a pensar já me deu algumas dores de cabeça. Fazerem código com comentários e mensagens de debug em francês não está com nada...

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  6. Apesar de ser um ponto fundamental no meu post não o reduzam a isso: não é apenas sobre estágios, mas sobre uma verdadeira relação entre a formação (Universidade) e a Indústria. É sobre reformular os cursos e dar as prioridades certas, é sobre ter menos catedráticos e mais pessoal que está a trabalhar nas empresas onde gostavamos de trabalhar... É fomentar esta relação.
    Nós somos sempre "Maria vai com as outros" para coisas como "Bolonha", independentemente de ser bom ou mau. Nós não tentamos perceber se as coisas que vêm de fora são boas, aderimos logo - eu pessoalmente não gosto de Bolonha, mas isso é outra história. O principal é sermos críticos nas alternativas e termos muito boas razões para organizar os nossos cursos de uma determinada maneira.

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  8. Caro Nuno Silva,
    concordo sobremaneira com o seu post.
    No entanto parece-me bastante redutor limitar-se ao IST, uma vez que o problema se coloca noutros cursos, noutras instituições e noutros países também.
    Que tal tornar o post um pouco mais abrangente da próxima vez?
    Muito obrigada por alertar para esta situação/realidade.
    Cumps.,
    Ana R.

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  9. Cara Ana,

    Tem toda a razão.
    O post inicialmente era para ser mais abrangente e não apenas para o IST. O que aconteceu é que à medida que o escrevia e queria usar exemplos, a realidade que conheço melhor é a do IST e foi por isso mais adequado criticar o IST - poderia estar a ser injusto criticando o que conheço menos bem.
    Apesar disso, os argumentos são genéricos e é verdade que gostava de ver as instituições de ensino (engenharia) a terem em conta este desabafo.
    Um post é sempre difícil porque há imensas coisas em que não se fala e é-se um pouco redutor. A ideia é que isto ajude a provocar um bom debate e a inspirar melhores soluções.
    Um dos problemas são os poderes instalados no nosso ensino, que evidentemente não querem mudar um sistema que lhes convém. Mas isso também é outra história...

    Nuno

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  10. Percebo que conhece melhor o ist, mas acha que sabe dizer me que instituição proporciona , dentro do possível, melhores oportunidades de estagiar, terminar o curso ou trabalhar fora de Portugal. Entre o ist, a nova e a faculdade de Lisboa, qual têm mais associações benéficas para os seus alunos de modo a facilitarem a saída e estágios no exterior nos cursos de engenharia,no meu caso engenharia física. Eu quero ir para a faculdade onde os alunos têm mais chances de fazer erasmos e e.t.c e penso que o ist seja a melhor opção em relação as outras, mas, por outro lado, acho que é a uni com o programa mais teórico, e eu gostava de experimentar um ensino muito prático e experimental, no fundo rico ao ponto de criar interesse fora.
    Estou um pouco confusa e dentro de uma semana começarão as candidaturas para o ensino superior, se poder gostava de saber a sua opinião.

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